Faz tempo. Mas as lembranças ainda estão frescas na minha
mente. E hoje, o melhor pra mim é tirar da mente e colocar no papel.
Um dia perfeito. Se eu parar no tempo, e voltar para aquela garota
da manhã seguinte à excursão, seriam exatamente essas as palavras que ela teria
na boca. Ela queria estacionar no tempo. E repetir 20 vezes aquele dia.
Essa garota de hoje já não consegue enxergar todas as cenas
num quadro tão bonito. Afinal, eram apenas ilusões, e já foram destruídas. Elas
se foram, mas o sentimento ficou... Mian
hanmida.
Posso me lembrar do desespero pré-excursão. Ah, o clássico
desespero de arrumar a mochila, arranjar roupa de banho, pensar no que levar e
lembrar-se sempre do quão fora de forma você está para um evento desses. Hoje
eu posso rir disso.
Era só chegar lá, se unir em um grupo à procura de armários, trocar de roupa, e pronto! Todo aquele mesmo organograma de toda excursão. A parte mais
emocionante é: nos dividirmos. A galera queria fazer coisas diferentes das que
eu, Felipe e Silvio queríamos. Então ficamos só os quatro. Era uma forma melhor
de aproveitar o parque. Era perfeito.
Rimos muito. Ele pegava no meu pé como sempre. Olhava para
as outras garotas e eu fingia não ligar. Apontava os caras bonitos e eu fingia
não estar interessada. Me colocava à sua frente em uma fila e me zoava pelo
maiô.
Fomos juntos na boia dupla e foi sensacional. Ainda
lembro-me dele gritando “Ai minha bunda!” quando a água o molhou! E quando eu
falei que o brinquedo bem que podia ir mais rápido, a descida veio com tudo!
Foi ironicamente demais!
Em todas as saídas de brinquedos ele dava um jeito de cuidar
de mim, me ajudar a sair da água, me proteger de alguma maneira. Ele não tinha
ideia do que ele estava alimentando em mim. Ele estava me ajudando a escrever
um capítulo especial do meu seriado particular. O meu capítulo favorito.
A hora do almoço foi um feito histórico. Se fosse realmente
um seriado, a cena da entrada no parque começaria com a monitora dando as
instruções sobre o almoço e recomendando o uso de chinelos na ida ao
estacionamento. Hilário.
A questão é que ninguém se lembrou dos chinelos. E chegando ao
asfalto, parecia que nossos pés iriam fritar! Por providência divina, o Daniel
e o Henrique se dispuseram a emprestar seus chinelos. Bem, fazendo as contas,
éramos quatro. MAS... A Thaís estava prevenida, calçava chinelos. O Silvio já
havia pegado os do Henrique e eu peguei os do Daniel. MAS... O Felipe Costa não
se conformou em ter seus pés queimados pelo asfalto e me fez uma proposta
indecente: carregar-me em suas costas! O que fez aquele anão pensar que seria
capaz de me aguentar montada em suas costas e atravessar aquele estacionamento
imenso? Aish. Foi cômico.
É óbvio que eu sou pesada. Aliás, eu sou maior que ele. Ai,
aquele baixinho! Todos olhavam pra mim e eu morria de medo de levar alguma
bronca. Desequilibrar? Várias vezes! No começo estava até confortável e divertido,
mas depois de um tempo parecia que o olhar das pessoas me pesava mais e a ele
também, e íamos caindo aos poucos. Eu escorregava e ele mancava. Foi uma longa
trajetória. Mas eu não consigo parar de rir ao lembrá-la. Estava tão nervosa
que não sentia o momento mágico pelo qual eu estava passando. Eu temia olhares,
advertências e tudo mais. Recebi apenas um favor.
Uma monitora nos viu sim, mas apenas fez um comentário em
tom de brincadeira. O que me atemorizou mesmo foi o Seu Olegário. Ele gritou
algo e eu – obviamente em vão – tentei me esconder atrás da nuca do Felipe.
Atrás da nuca? Realmente estava fora de mim naquele momento. O que ele falou?
“Isso é que é homem de verdade!”. A vida sabe como ser irônica, não?
Comemos. Durante o almoço, o tópico de discussão – além do
corpo das meninas, é claro – foi o ator/atriz de seriado com quem você se
casaria e por quê. Ele escolheu a Megan, de Friends. Ela é maníaca por limpeza
e ele é extremamente fresco. Casal perfeito. Eu? Sheldon Cooper. Porque gosto
de homens inteligentes. Adivinha quem se gabou? Ele, é claro! Ah, como adora me
provocar, esse menino.
Depois do almoço, veio o momento mais dramático. Engraçado,
exatamente como os seriados: quando está tudo lindo, repentinamente algo
terrível acontece. Nos perdemos dos meninos. E logo em seguida, eu me perdi da Thaís,
minha única esperança de encontrar o Felipe sem parecer que eu estava louca
atrás dele.
Eu não fiquei sozinha por muito tempo. Procurei-os por um
pouco de tempo e ainda encontrei uns amigos. No final, fiquei com a galera do
ônibus. Ou parte dela. A parte boa é que finalmente venci a maldita bolha! Eu a
escalei! A ruim é que fiquei com dor de cabeça a maior parte do tempo, por
forçar a vista ao procurar sinal deles.
Entre tantas piscinas termais, havia um balde gigante que
virava água gelada em cima da gente. Antes de nos perdemos, ele me carregou pra
debaixo desse balde, me abraçou e ficou esperando a água gelada chegar. Cinco
vezes. Cinco baldes torturantes de água gelada. Cinco inesquecíveis abraços
molhados. É assim que eu percebo que sou masoquista! Shame on me por ter deixado ele me tratar desse jeito, viu! Shame on me.
Mas foi nesse mesmo balde que algumas horas depois,
depressivas já de tanto procurá-los, eles ressurgem das cinzas! Como a Thaís
não estava comigo, o Silvio continuou a procurá-la. Ah, isso já estava
premeditado. A Thaís mesmo me disse que o Silvio adora se perder. Tsc tsc tsc.
O Felipe continuou com a turma que ele estava, o Rick e o Gê.
Uma das melhores partes começa aqui. A mais parada também. O período de maior
permanência em uma piscina: a aquecida com pedras. Eu a chamava de piscina do
amor, já que todos se pegavam ali. Disgusting.
E foi nessa piscina que se passou o maior momento de
reflexão, palavras vãs, tentativas de entender aquela mente complexa e...
GUERRA DE MORDIDAS! Eu comecei. Sei lá por quê. Ele dizia que só a Lúcia tinha
esse direito, mas eu violei as regras e o mordi. E ele veio com mordidas
subaquáticas, em lugares inimagináveis. Panturrilha, coxa, costas e
principalmente os braços. Voltei com cerca de 8 marcas de mordida pra casa.
Quando mostrei pra Rosa, ela ficou revoltada e queria tirar satisfação. Eu
gargalhava. Pra mim era uma coisa boa. Eu queria que aquelas marcas ficassem em
mim pra sempre. Como tatuagens. A dor era intensa, ele sempre me machuca sem dó
nenhuma. Mas eu gostava. Eu deixava, porque era ele. Era como se ele estivesse
marcando território. Eu era dele. Ah, masoquista. É, eu acho que sou
masoquista. O Silvio tentou agitar um beijo nosso, mas você sabe como eu
consigo ser durona com isso, não sabe?
Agora eu me lembro... Como começaram as mordidas. Ele tem
certa natureza violenta, adora tentar me machucar. Seu golpe favorito – em mim
– é gravata. Se é que eu posso chamar de gravata um golpe que para a circulação
de uma veia, podendo me desmaiar em 4 segundos e me matar em mais alguns. E
sim, ele é louco o suficiente pra tentar, no mínimo, me deixar inconsciente. E
eu sempre deixo ele tentar. Ah, masoquista, ah! Enfim, ele me segurou, colocou
o braço em volta do meu pescoço e me arrastou pra debaixo d’água. Ali, numa
cena que poderia figurar um bom filme de ação, na minha cabeça a trilha sonora
era outra. O rosto dele nunca esteve tão próximo ao meu. Mesmo em todas as
ceninhas de sedução que ele jogava comigo, nunca o senti tão próximo. Parecia
que... Ele tentaria me beijar. Minha primeira reação? Tampar a boca. E o
feitiço se quebrou. Ainda senti o nariz dele na minha bochecha, mas a posição
ideal já havia se perdido.
Foi assim que uma das maiores cenas românticas
protagonizadas por mim não aconteceu. Pra finalizar, dei-lhe uma mordida por
vingança e ele retribuiu ferozmente em minha panturrilha. Uma comédia romântica
começava ali. Na volta, estávamos todos exaustos. Não compartilhei mais
momentos desse tipo por conta do seu humor. Estava exausto. Deixei quieto.
No ônibus, eu amargava as lembranças do meu dia longe dele.
Sufocava na minha vontade de ficar ao lado. Gritava surda, em um bocejo, que o
amava. Tentava dormir e o sono não vinha. Não queria ficar sozinha. Pensei mil
e uma coisas até olhar pro lado. Adormeci no peito do Gê. Ele havia sido um
grande amigo durante os períodos ‘organogramacionais’ da viagem, como espera do
ônibus e a estrada. Me emprestou fones, cantou e fez bagunça. Me fez sentir
bem. Um bom amigo.
Acordei na parada, morta de fome. Desci. Ele surgiu do além,
parecendo ter vindo de lá mesmo. Exausto, acabado e com febre. Pedindo por
remédio e me deixando desesperada. Corri atrás de tudo o que fui capaz. Água.
Não ria, só havia isso pra amenizar a insolação dele.
No ônibus, dei meu cobertor e fiquei bajulando-o. Humilhação
pública foi ele me fazer cantar “Soft
Kity”. The shame. Troquei de
lugar, fiquei no banco atrás dele. Fazendo cafuné, que era a melhor coisa que
eu podia fazer. O ônibus começou a andar e a minha esperança de sentar ao lado
dele foi pro ralo. Mas eu sou masoquista, então me esticar totalmente torta
para somente acariciá-lo já tornava o momento especial
.
.
Foi quando o Jackson, meu anjo, disse que o Felipe havia
pedido pra trocarmos de lugar. Resultado? Felipe no meu colo pelo resto da
viagem.
Ele estava ardendo em febre. Queimando mesmo. Eu não sabia
se me preocupava ou se só aproveitava o momento. Por conta da febre, ele ficava
desconfortável rapidamente, o que fez ele mudar de posição inúmeras vezes.
Deitado no meu colo, no meu ombro, abraçado no meu tronco ou recostado no meu
peito. Falava besteiras de vez em quando e eu logo bronqueava. A situação mais
marcante foi quando ele recostou no meu peito. Eu acariciava seus cabelos
enquanto tocava sua testa com meus lábios. Era muito quente. Anormalmente
quente. Patologicamente quente. E tínhamos um grande evento no final de semana!
Nossa, como isso parece um seriado! Por isso eu digo, qualquer semelhança com a coincidência é mera realidade.
Ao chegarmos, ele agradeceu milhares de vezes e eu mandei
ele se cuidar. Corri atrás de remédios a semana inteira, mas parecia obra do
destino eu não conseguir nada. É como se tudo tivesse sido um sonho e minha fantasia
de super-heroína não coubesse mais. E tudo voltou a ser estranho. Tudo voltou a
ser normal.
Ah, universo paralelo, será que eu estaria com ele se eu
estivesse com você?
Então né...
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